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Além do horizonte de eventos

  • Glicose

Podia-se afirmar,
com um grau alto de certeza,
que era doce,
violentamente doce.
Como todas as abelhas rainhas deveriam ser.

  • Temperatura

O sonho habitava o estreito limite entre o gelo e a lava.
Não havia meio termo,
não havia o café adoçado de maneira insuficiente,
não havia meia palavra entre os dentes,
qualquer coisa haveria de ser coisa alguma se assim fosse.
E era.

O calor dos lábios
outrora fora substituído
por horas,
incontáveis horas separando o sol de um outro sol,
estrela nua..
Uma colisão sem luz, sem graça,
sem a extrema desgraça da beleza mais brutal, mais singela,
E binária.

  • Pulso

Toda busca inútil por autoconhecimento
deveria começar com a observação das veias esverdeadas,
dos tendões sobressaltados
e reativos aos impulsos.

Poderia ficar horas e horas e horas e mais algumas horas
observando os ponteiros correndo em um relógio sem pertinência.
Existia uma vida ali, correndo, agindo e reagindo,
doçura e demência
“e de nada valeria acontecer de ser gente”, sabe como é.
O pulso deveria ser a entrada para outro lugar desconhecido.
E era.

O pulsar gira e gira e gira e gira,
anda de mãos dadas com a vertigem
uma estrela de nêutrons qualquer que se preze
aceita o colapso, como fato.
Toda busca é inútil se não começar olhando para o que está na sua cara.
O que faz seu pulso pulsar?
Pulsar como um farol girando e girando e girando.
Era a frequência pela qual se apaixonava, pelas mesmas coisas de sempre.
E sempre, inesperadas.

O jeito certo de segurar alguém é pelos pulsos
Toda aquela tempestade vai passar e carregar tudo
para qualquer outro lugar, desconhecido,
e nada vai ser o mesmo, além do que sempre foi como antes.
Eu, inútil

  • Respiração, saturação e consciência

Por definição ordinária respiração é um substantivo feminino
que designa o ato ou efeito de respirar,
movimento duplo dos pulmões,
inspiração e expiração;
fôlego.

Na prática foi diferente,
tudo estava funcionando,
mecanicamente perfeito,
inspiração, expiração,
o ar entrava, o ar saía,
então porque a vista escurecia?
porque o coração batia perfeito?
perfeito, acelerando cada vez mais, mas perfeito.

sabe o que é um coração batendo perfeito no momento da sua morte,
poetas ousariam rimar com sorte, mas era só, defeito.
a vista escureceu, o corpo amoleceu, e desfaleceu,
caiu,
lentamente, caiu
faltou o que fazia falta, o ar, e caiu.
Faltava o sentido da vida.
No corpo, que cai.

Tudo ficou escuro e quieto.
Mas havia ainda um pensamento,
um último instante de pensamento: “Morri”.

Um morri, curiosamente consciente
sem desespero, sem conforto também, isso é verdade.
Em meio a escuridão um pequeno ponto de luz apareceu,
foi aumentando e havia ainda um pensamento,
e em haver ainda um pensamento havia um conforto:
“Ok, existo.”
Não importava onde.

O corpo desfalecido, em repouso,
necessitou menos oxigênio,
o pouco ar que entrava agora,
fora suficiente para recobrar a consciência.
A luz foi aumentando, a imagem se formando a partir do centro,
era uma luz
luz do poste à frente, à cima
sem túneis, sem eternamente.

Éter… o éter…pobre éter já não mais admitido pelos físicos.

Por definição: Viva.

  • Pressão

(Livro III: menciona o coração e os vasos sanguíneos.)
Era uma imagem escondida debaixo de um bolso de coração costurado a mão,
fatto a mano.
Um nó na garganta percorrendo 20km de veias e artérias até chegar ao zênite.
O corpo celeste mais brilhante do céu naquele instante.
Estradas bloqueadas, quatro pistas bloqueadas,
sol reluzindo nas partes metálicas dos carros à frente,
e tudo bloqueado.
Artérias, arteríolas, vênulas, veias e capilares,
vias coletoras, vias arteriais, vias expressas,
vias locais, tudo parado.

Minutos, horas, dias, meses,
anos, annus mirabilis, tudo parado.
Tudo.
Parado.

Só a vida andava à revelia,
as coisas aconteciam,
iam e vinham,
automático, automatizado,
fazendo bem o seu trabalho,
cumprindo bem o seu papel.
Papel em branco,
rasurado
de um corretivo que não corrigia nada.
Ou quase nada.
Tudo
errado,
embora parecesse o mais correto.

  • Dor

Dor, dor…
a dor que precede o sofrimento.

Dia após dia, um poema,
um lamento,
presente,
falando de ausentes e distantes,
fazendo não mais ter sentido
aqueles retrato na estante.

Tudo passa, e passou.

Sobre o sofrimento eu não sei.
Sei
das noites e dos gritos de susto.
Sei
dos dias e dos instantes de medo
Sei
que era tarde ainda sendo tão cedo.
Sei
que debaixo de tudo que conto guardo um segredo.

Fui uma estrela de nêutrons.

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